Do suplemento de Economia do Expresso de 04/07/2009
Por Nicolau Santos
O gesto chifrudo de Manuel Pinho dirigido ao deputado comunista Bernardino Soares, por uma piadola assente num facto até agora nunca confirmado (e aqui no Expresso bem nos esforçámos por saber se tinha entregue um cheque da EDP ao Aljustralense) foi condenado por todas as vestais que, como dizia Sophia de Mello Breyner, comem galinhas mas não matam galinhas.
Que horror! Que indecoroso! Que má educação! Que baixeza! Proclamam as virgens ofendidas, que gostam sempre de mostrar as suas públicas virtudes e esconder os vícios privados. Claro que estamos todos de acordo: o ministro não devia ter feito o gesto, ponto final parágrafo. Mas convenhamos que há situações em que um homem perde a cabeça. Conto-vos algumas.
Há uns anos, uma sociedade financeira pública foi privatizada. Passado seis meses, o grupo comprador veio reclamar ao Estado três milhões de contos (na altura ainda era em contos) por um buraco que tinha sido encontrado na empresa. Pergunta óbvia: mas como é que as várias auditorias não detectaram nada? Explicação que me foi dada pelo presidente da empresa pública que transitou para presidente da empresa agora privada: o papel com essa operação estava em cima de uma secretária junto a uma janela e um dia, com uma rabanada de vento, voou. Passei-me, claro.
Passo-me igualmente quando leio que a defesa de Jardim Gonçalves vai garantir que as 17 offshores, financiadas pelo BCP para comprar acções do banco com titulares que eram homens de palha, foram criadas por "erro operacional" e que ele de nada sabia. Como é possível que um banco que cultivava a excelência (ou dizia que a cultivava) e um homem que, durante muito tempo, se orgulhava de saber o nome de todos os funcionários do banco e a sua situação familiar, diga agora que não sabia de nada no que toca às offshores e que elas existiram durante vários anos com base num erro que nunca foi corrigido - mas que deram prejuízos ao banco na casa das centenas de milhões de euros? Como é possível que tenha dito que nada sabia das relações comerciais do seu próprio filho com o BCP e que acabaram mal? É possível? Alguém acredita?
Mas a coisa deve pegar-se porque Tavares Moreira, no livro que agora lançou (ver texto em baixo), diz que no CBI se defrontou com a aquisição de dois títulos (Liberty Sat e Daleen Technologies) que acarretaram um enorme prejuízo para o banco "sem que ninguém percebesse muito bem como é que tinha acontecido, quem tinha tomado a decisão de comprar, com que justificação, com que informação" e ao banco nada mais restava do que assumir o elevado prejuízo. E ele, que na altura era presidente, resolveu, pelos vistos, deixar cair o assunto, porque percebeu que causava "especial desconforto" às pessoas. Ele, que tinha sido governador do Banco de Portugal. Passo-me, claro.
E quando vejo que a acusação a Bernard Madoff tinha seis páginas e o julgamento demorou seis meses - e comparo com o que se está a passar no BCP, BPN e BPP ou com o próximo arquivamento do 'caso CBI', obviamente passo-me. Como é possível que actos que levaram à falência de um banco, lesando em muitos milhões os seus accionistas, possam não ser julgados?
E passo-me quando o primeiro-ministro diz que não sabia que estavam a decorrer negociações entre a PT e a Prisa e que se tratava de um negócio privado - para depois matar o negócio numa declaração pública. Mas também me passo quando Manuela Ferreira Leite vem dizer que a compra da rede fixa do Estado estava decidida pelo PS quando foi concretizada nove meses depois por ela noutro Governo - e quando já afirmou que, se for primeiro-ministro, rasga todas as políticas do actual Executivo, com excepção da Segurança Social. Então o que se prepara agora para fazer não era possível em 2002?
E passo-me por fim quando o Presidente da República, homem de cuja integridade ninguém duvida, vem declarar publicamente que nunca disse que não tinha acções da SLN - quando fez um longo e exaustivo comunicado que serviu exclusivamente para sublinhar que nada tinha que ver com o BPN, esquecendo-se da sua relação accionista com a holding do grupo?
Finalmente, passo-me com a deslealdade accionista de certas pessoas, com estratégias de enguias para atingir objectivos tortuosos, acompanhadas com a escolha de pessoas sem coluna vertebral para servirem os seus propósitos. Passo-me, só me apetece fazer-lhes o gesto que Pinho fez ou outros piores e não me demito.
Falta dizer que Manuel Pinho foi um ministro voluntarioso, que fez coisas boas e más. Na área da energia e do turismo as coisas correram francamente bem, na área da inovação também, na atracção do investimento estrangeiro nem por isso, na manutenção de postos de trabalho foi como tentar encher de água um balde furado. Condeno o gesto - mas compreendo a indignação do ministro com a piadola de Bernardino Soares. Há limites para um homem.
1 comment:
Estou inteiramente de acordo com a tua declaração de indignação. Tu és uma mulher que muito admiro, com convicções sociais fortes, como cresceste Joana!! Parabéns!!!
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